domingo, 8 de fevereiro de 2009

Brasiliade – Uma viagem pelo Museu do Pontal.



Desde a década de 50 têm-se ouvido falar de “Brasilidade” como sinônimo de baianas, bananas e carnaval. Um bom exemplo é Carmem Miranda, até tornar-se a artista mais bem paga de Hollywood teve que encenar muito bem sua má pronúncia de Inglês, para representar uma Nativa “de Raízes Brasileiras”. O que poucos reconhecem nesta situação é o “jogo de cintura” que o artista brasileiro tem que ter para ser bem sucedido, ou simplesmente para sobreviver.
Mas, o Brasil vem, aos poucos deixando de ser objeto de curiosidade apenas e tornando-se inspiração para pessoas de todo o mundo. Assim como a visão do camponês para o Civilizado Iluminista, talvez este fato só venha acontecendo por só apenas na atualidade o conceito de Evolucionismo Multilinear estar mais forte na educação[1]. Hoje, as crianças têm possibilidade de apreciar diferentes culturas, seja por TV, Internet ou Museus, e são mais adaptáveis às diferenças.
Para entender o conceito de Brasilidade precisamos vivenciar o que isso significa, quanto ao cotidiano do brasileiro. É importantíssimo ressaltar que a cultura Brasileira é resultado de muita criatividade por necessidade de sobreviver. Do artista popular então, é genuína a criação.
Para melhor compreensão do espírito da arte popular brasileira segue a citação de Jacques Van de Beuque, criador do Museu do Pontal, após seu primeiro contato com os artesãos de Recife e a sensação de ver a agilidade com que manuseavam o barro:
“O artista trabalha sem ver. Sua mão parece autônoma. É como o pianista, que toca com a alma, com o sentimento, que não procura pelas teclas e notas para fazer sua arte. É a arte de uma vida. Eu nunca tinha visto uma pessoa pegar o barro, um material plástico e alcançar tão rapidamente formas elaboradas.”
(BEUQUE, 1993)
Confesso que ao ler este relato e, principalmente após conhecer o Museu do Pontal, senti mais orgulho de ser brasileira.
Ao deitar-me à noite, após a visita ao museu, não consegui dormir. O “tec-tec” das geringonças de Adalto soava disparadamente em meu travesseiro, como se me chamasse para acordar para a realidade. Ter nascido no Rio é realmente maravilhoso, ainda mais ter passado toda a infância no subúrbio me fez vivenciar cada geringonça de Adalto. As carnavalescas, principalmente.
A instalação carnavalesca de Adalto remete aoBrasil religioso, temeroso dos castigos Divinos resultados da cultura Católica instalada desde Colônia, que aproveita uma única semana do ano em que se divertir não é pecado e ao mesmo tempo, torcer pela escola de samba campeã tem que ser acompanhada por ofertas aos orixás e às promessas aos santos. Só no Brasil temos esta diversidade paradoxa.
A geringonça “o Mágico” é outra grande maravilha capaz de fazer o observador interagir com o universo da magia.
A particularidade de outros artistas é também encantadora:
A solução de Mestre Vitalino encontrada para ressaltar a expressão de suas estatuetas no olhar cobrindo-os com barro branco em relevo é fantástica. Sempre levando em consideração as circunstâncias em que o artista criava – em estado de extrema pobreza.
A originalidade de Zé Caboclo em fazer da moringa- objeto de uso comum – um objeto de arte que mais tarde viria a ser copiado por vários artesãos e por indústrias.
A sutileza de Marinete, filha de Zé Caboclo, ao aprimorar as técnicas da escultura em barro para reproduzir em miniatura a vida agrária.
Incrível comparar também a realidade sangrenta de alguns artistas do cangaço e seus Lampiões e Marias Bonitas à delicadeza do universo feminino de Noemisa.
Noemisa criou um estilo próprio, intencional ou não, capaz de ser reconhecido por toda exposição por seus tons neutros apastelados e suas rosinhas, bolinhas e detalhes suaves de rendas – tudo de barro. Atrevo-me a chamá-la de Beatriz Milhazes do barro. Com atitude, feminilidade, delicadeza e talento.
O Artista popular é o retrato da sociedade. Ele usa seu talento e criatividade para driblar as dificuldades de sobreviver, de ser respeitado. Para compreender sua obra é necessário vivenciar o cotidiano, assim pode-se notar a pureza e até mesmo ingenuidade do autor para com o resto do mundo. São obras “provincianas” e a maior manifestação do povo carente de educação, saúde e alimentação saudável. São obras fiéis à vida de uma determinada comunidade e surpreendem por serem autênticas, livres de ego (assim como os artistas acadêmicos que vivem competindo espaço em galerias de arte), são também tratadas com cumplicidade entre artistas e o individual não importa tanto quanto a mistura. Tem espaço para todos que desejarem expor.
A valorização da obra de arte popular, realizada pelo Museu do Pontal é louvável. E conhecer a exposição permanente é uma experiência riquíssima.
Vamos vestir a saia de sinhá, o colar de orixá e tocar a sanfona para brindarmos à Brasilidade!


Mariana Malta
[1] A questão da antropologia através da epistemologia e não mais do objeto empírico após o iluminismo. (Segundo o texto: A Antropologia em perspectiva histórica – Prof Daniel Bitter.)